terça-feira, 9 de outubro de 2007

a revolução não vai passar na televisão

"- Olhe para a humanidade – dizia Ricky – não há nada certo no mundo do jeito que está. Para todo lugar que você olha, estão atirando bombas e as pessoas estão sofrendo com enchentes e doenças. Para o estado avançado que a humanidade atingiu tecnologicamente, nada foi alcançado humanitariamente. Desconforto e insatisfação. Hippies, yuppies, beatniks, anarquistas, revolucionários, rebeldes, comunistas... não existem mais pessoas comuns, que acreditam em viver a vida singularmente e em encontrar uma paz separada?

- A paz foi criada pelas pessoas, como um modo de descrever a unidade de deus. Não há mais Thomas Mores, se é isso o que você quer dizer – discursou I.Q.

- Então, por que tenho que permanecer nessa condição? Eu acredito em reencarnação. Acho que estaria muito melhor como uma outra forma animal, se esta for a mais elevada. Não preciso saber de nenhuma dessas coisas. Por que tenho que me adaptar? – Ricky se voltou pra mim. – Você sabe quais são as respostas? O sentido da vida não pode estar na preparação para louvar a deus para sempre... assim como não consigo me ver ajoelhado aos pés do deus todo poderoso, cantando sua glória. – Ricky ergueu o rosto e havia lágrimas em seus olhos. Pensei que aquilo era uma atitude de garoto branco. Toda essa conversa e essas palavras que soavam como algum tipo de livro. Que espécie de negro ficava doidão e soltava essa merda? – Simplesmente quer dizer que eu estaria tão bem em qualquer lugar do universo, quanto aqui. – disse Ricky. – O cérebro é formado por impulsos elétricos que nunca podem ser desligados. Isso significa que, quando a morte vem, ela corta a transmissão dos sinais do cérebro para o corpo. Não significa que o cérebro desiste por si mesmo. Eletricidade não desaparece como a respiração... eu não deveria ter que viver sob opressão, em algo menor que as condições humanas ideais, quando posso terminar neste fracasso... eu devia me matar.

- Quem, então, é livre? O homem sábio que consegue controlar suas paixões, que não teme a miséria, a morte, as grades, resistindo firmemente aos seus apetites e desprezando as honras do mundo, que confia totalmente em si mesmo, cujos pontos angulosos de caráter foram arredondados e polidos? – I.Q. fez um longo discurso e depois explicou, para que eu pudesse entender. – Se você não precisa viver, então, não precisa morrer."

(Gil Scott-Heron - The Vulture; 1970)

Gil Scott-Heron é um dos pais do rap, quando declamava acompanhado de percussão (rhythm and poetry). Cantor, compositor, poeta, pianista, ficcionista, inserido no contexto histórico e político da passagem dos anos 60 para os 70, da radicalização dos grupos negros, dos estudantes, dos ativistas anti Vietnã, das feministas, etc. Acho que devia ser uma época divertida.)

Um comentário:

Camy Raider. disse...

se acessar, me mande um email, gostei do que tu escreve.